terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Leis internacionais no Brasil: Um breve pensamento





A existência do crime de submeter alguém a condição análoga a escravo, previsto no Art.149 do Código Penal Brasileiro, quanto a obrigação de garantir os Direitos Trabalhistas, previsto em toda a Consolidação das Leis Trabalhistas, não são coisas novas e desconhecidas, não podendo o proprietário de empresas que utilizam mão de obra escrava argumentar de seu desconhecimento sobre o tema, e que são na maioria das vezes pessoas com alto grau de escolaridade e com grande apoio jurídico e financeiro.
Além das leis já previstas na legislação brasileira, há inúmeros acordos e convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea, sendo tratadas principalmente nas convenções 29 de 1930 e 105 de 1957, todas ratificadas pelo Brasil.
A convenção de 29 de 1930 dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas suas formas, admitindo algumas exceções de trabalho obrigatório, como o serviço militar e em casos de emergências, como guerras e desastres naturais; Já convenção 105 de 1957 é a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, a qual se proíbe toda forma de trabalho forçado como meio de coerção ou convencimento político.
Essas duas convenções citadas anteriormente foram reconhecidas por quase toda a comunidade internacional, recebendo o maior número de ratificações dentre todas as convenções realizadas pela Organização Internacional do Trabalho.
É possível citar também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas.

Já na legislação infraconstitucional, a principal lei sobre o trabalho escravo é previsto no Código Penal Brasileiro de 1940 em seu Art.149 que define o crime de redução à condição análoga de escravo:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
                                   
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

- contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem (BRASIL, 1940).

O crime é realizado quando o agente reduz a vítima à condição semelhante à de escravo, tornando a mesma totalmente submissa à vontade de outra pessoa.  A conduta é impossível de ser praticada em por meio de omissão ou culpa, porém admite-se a tentativa.
Diante o exposto, se torna clara a tipificação penal de sujeitar alguém a um estado de submissão absoluta, impedindo sua liberdade e reduzindo sua condição a de objeto, sendo o julgamento do crime de redução a condição análoga de escravo pertencente à maioria das vezes à Justiça Federal, por advento do informativo nº 450 do Supremo Tribunal Federal:
    
Crime de Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência - 2
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para anular acórdão do TRF da 1ª Região, fixando a competência da justiça federal para processar e julgar crime de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149) - v. Informativo 378. Entendeu-se que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho. Concluiu-se que, nesse contexto, o qual sofre influxo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, informador de todo o sistema jurídico-constitucional, a prática do crime em questão caracteriza-se como crime contra a organização do trabalho, de competência da justiça federal (CF, art. 109, VI). Vencidos, quanto aos fundamentos, parcialmente, os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, que davam provimento ao recurso extraordinário, considerando que a competência da justiça federal para processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo configura-se apenas nas hipóteses em que esteja presente a ofensa aos princípios que regem a organização do trabalho, a qual reputaram ocorrida no caso concreto. Vencidos, também, os Ministros Cezar Peluso, Carlos Velloso e Marco Aurélio que negavam provimento ao recurso.
RE 398041/PA, rel. Min. Joaquim Barbosa, 30.11.2006. (RE-398041)
           
Desta forma, o Supremo Tribunal Federal entendeu que será da Justiça Federal a competência para julgar crime de redução a condição análoga à de escravo nos casos em que haja ofensa aos princípios formadores da organização do trabalho.
Sobre o tema, cita-se também os julgados do Superior Tribunal de Justiça:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. - Nos termos da jurisprudência firmada nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de redução a condição análoga à de escravo, pois a conduta ilícita de suprimir dos trabalhadores direitos trabalhistas constitucionalmente conferidos viola o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como todo o sistema de organização do trabalho e as instituições e órgãos que o protegem. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, ora suscitado.(STJ - CC: 132884 GO 2014/0056244-2, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), Data de Julgamento: 28/05/2014, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/06/2014)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. RESTRIÇÃO À LIBERDADE DO TRABALHADOR NÃO É CONDIÇÃO ÚNICA DE SUBSUNÇÃO TÍPICA. TRATAMENTO SUBUMANO AO TRABALHADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Para configurar o delito do art. 149 do Código Penal não é imprescindível a restrição à liberdade de locomoção dos trabalhadores, a tanto também se admitindo a sujeição a condições degradantes, subumanas. 2. Tendo a denúncia imputado a submissão dos empregados a condições degradantes de trabalho (falta de garantias mínimas de saúde, segurança, higiene e alimentação), tem-se acusação por crime de redução a condição análoga à de escravo, de competência da jurisdição federal.
(STJ - CC: 127937 GO 2013/0124462-5, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 28/05/2014, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/06/2014)
           
Porém, a lei ainda é bastante inócua e ineficiente em relação a efetiva aplicação e inibição da prática de exploração de mão de obra, sendo a sanção penal insuficiente, visto que menos de 10% dos envolvidos em trabalho escravo no sul-sudeste do Pará, entre 1996 e 2003, foram denunciados por esse crime, segundo o relatório do OIT denominado Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI.

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